Por: Radomécio Leite
Especial para o BLOGdoGM

  • A eleição de Epitácio Pessoa para a Presidência da República em 1919 é um dos episódios mais singulares da política da Primeira República (1889–1930).

Ele não era candidato inicial, estava fora do país, e sua escolha resultou de uma articulação complexa entre as oligarquias estaduais — especialmente Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais e o governo federal — após a morte do presidente eleito Rodrigues Alves.

A política do “café com leite” e o colapso momentâneo do arranjo tradicional

  • Durante a Primeira República, predominava o pacto oligárquico conhecido como política do café com leite, em que São Paulo e Minas Gerais se revezavam no poder.

Porém, em 1918, quando Rodrigues Alves (SP) foi eleito, não conseguiu assumir devido à grave pneumonia – complicação da pandemia de gripe espanhola.

  • Ele faleceu em janeiro de 1919.

Com isso, o Brasil enfrentou a necessidade de uma eleição extraordinária, quebrando provisoriamente o revezamento paulista-mineiro.

  • São Paulo estava politicamente enfraquecido pela doença e morte de Rodrigues Alves e pela divisão em suas elites.

O campo ficou aberto para que outras forças regionais tentassem influenciar a sucessão.

  • À época, Epitácio Pessoa era Ministro do Supremo Tribunal Federal, Chefe da delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, na França, figura respeitada, mas afastada da política partidária e sem máquina eleitoral própria.

Sua candidatura surgiu como solução de compromisso, articulada para recompor o pacto oligárquico sem favorecer explicitamente nenhum dos grandes Estados dominantes.

A articulação política que fez surgir o nome do paraibano Epitácio Pessoa

  • O governo federal precisava de um nome neutro.

O então presidente Delfim Moreira, mineiro e muito doente, estava sendo controlado de fato por seus ministros — especialmente o ministro da Justiça Rodrigo Alves e o ministro da Agricultura João Pandiá Calógeras.

  • Eles buscavam evitar um conflito político entre Minas, São Paulo e os Estados do Nordeste, pacificar as tensões internas criadas após a morte de Rodrigues Alves, e escolher alguém capaz de representar o Brasil nas negociações do pós-guerra.

Epitácio, já em Versalhes representando o país, se tornou o nome ideal.

O apoio decisivo da oligarquia nordestina

O Nordeste — com destaque para Pernambuco e Paraíba — viu na crise uma rara oportunidade de eleger um presidente da região.

  • Figuras-chave:
  1. João Suassuna e outras lideranças paraibanas.
  2. Oligarquias pernambucanas (família Pessoa e adversários que momentaneamente convergiram).
  3. O Nordeste articulou um bloco que ofereceu a Epitácio apoio inicial, criando impulso político, repercutindo nacionalmente.
  4. Minas Gerais adere ao plano com São Paulo fragilizado e sem candidato capaz de unir suas próprias correntes.
  5. Minas Gerais — tradicionalmente pragmático — decidiu apoiar o nome de consenso.

Motivos:

  • Epitácio era um civil moderado, não representava ameaça ao poder das oligarquias mineiras, tinha bom trânsito entre elites jurídicas e políticas.

O apoio mineiro consolidou a viabilidade da candidatura e São Paulo foi forçado a aceitar.

  • Apesar de tentar lançar o senador Altino Arantes ou o próprio Prudente de Morais Neto.

São Paulo percebeu que seu apoio isolado seria derrotado pelo bloco Minas Gerais-Nordeste.

  • Epitácio não prejudicaria os interesses cafeeiros.

Seria uma solução transitória até que São Paulo recuperasse influência na eleição seguinte (o que de fato ocorreu com Artur Bernardes em 1922).

  • Assim, São Paulo acabou aceitando a solução conciliatória.

A escolha é anunciada à distância

  • Quando foi escolhido candidato, Epitácio Pessoa estava em Paris, na França e recebeu a notícia via telegrama.

A própria distância ajudou sua imagem: era visto como figura “acima das disputas partidárias”, tinha prestígio internacional devido à participação no Tratado de Versalhes.

  • Simbolizava modernização e prestígio do Brasil.

A campanha e a vitória

  • A candidatura oposicionista foi de Ruy Barbosa, apoiado por setores urbanos e liberais, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro.

Mas o sistema eleitoral da Primeira República era dominado pelo voto de cabresto, e os governadores controlavam os resultados.

  • Tendo o apoio de Minas Gerais, Nordeste organizado, governo federal e parte de São Paulo, Epitácio venceu com larga margem.

Resumo da articulação

  • A eleição de Epitácio Pessoa foi resultado de:

▪️ ruptura temporária da política do café com leite
▪️necessidade de um nome neutro para recompor o pacto oligárquico
▪️articulação coordenada de elites do Nordeste
▪️adesão estratégica de Minas Gerais
▪️fragilidade das oligarquias paulistas
▪️prestígio internacional do próprio Epitácio, então em Versalhes

Epitácio Pessoa chegou à presidência da República sendo uma solução de compromisso diante de crise de representatividade entre São Paulo e Minhas Gerais, e não produto de uma máquina eleitoral própria — fato incomum na 1ª República.

  • Radomécio Leite é bacharel em Direito, com formação em Administração de Empresas, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, com atuação nos segmentos Indústrial, Energias e Portos. Atual Secretário Executivo do Desenvolvimento Sustentável do Governo da Paraíba

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