• Como Campina Grande inventou a maior festa popular do Brasil?
    De: Matheus Lino (Para o Splash UOL)

  • Quem visita Campina Grande (PB) para as festividades juninas se surpreende com a grandiosidade. Em uma noite, o Parque do Povo, pátio de eventos que recebe as principais atividades, pode receber quase 100 mil pessoas, sendo 80 mil simultaneamente. Durante os 33 dias de duração, eventos gratuitos e privados atraem público estimado de mais de 3 milhões de pessoas.

Estas marcas não são obras do acaso, mas resultado do sonho e trabalho semeado por um visionário: Ronaldo Cunha Lima (1936-2012), que foi um poeta, escritor, advogado e político disposto a colocar a cidade do interior paraibano no mapa turístico do Brasil e do mundo, através da valorização da cultura e tradição.

  • Grande festa nordestina
  • Forró a cada segundo
  • Vamos fazer em Campina
  • O maior São João do Mundo
    Ronaldo Cunha Lima

  • Fé, milho e forró: As origens do São João tradicional

As festas juninas ocorrem no Brasil desde a colonização portuguesa. Com o tempo, as tradições católicas incorporaram os elementos da cultura popular, com destaque para a relação com a colheita. Assim nasce a crença de se plantar no dia de São José, 19 de março, e colher no dia de São João, em 24 de junho.

  • Em Campina Grande, até 1982, a festa era celebrada unicamente nos bairros, com famílias em volta da fogueira, comidas típicas, quadrilhas juninas e forró nos clubes. Contudo, tal qual outras cidades do Nordeste, os festejos ocorriam basicamente nos dias dos padroeiros Santo Antônio (12 e 13), São João (23 e 24) e São Pedro (28 e 29).

Cléa Cordeiro, 73, professora e criadora do Memorial do São João de Campina Grande relata que a cidade contava com quase “400 quadrilhas em todos os bairros, SABs, clubes de mães, colégios?. De forma bem doméstica, sem pretensão de concursos. Eram mais dispersas. Quando chegava o São João, muita gente brincava nas suas quadrilhas, iam aos clubes ou viajavam para o interior: Sertão, Brejo e Cariri”.

  • No São João, Dona Carmita
  • se engalanava de fita
  • com um carinho profundo
  • Tantas vezes lá brinquei
  • que da rua me inspirei
  • no Maior São João do Mundo
    Ronaldo Cunha Lima

  • Palhoça, forró e um sonho: As primeiras edições

Em 1983, o então prefeito Ronaldo decide centralizar os festejos com objetivo de criar um potencial turístico para Campina. Após diversas reuniões com sua equipe, o local foi definido. No Centro, uma enorme área subutilizada conhecida como “Coqueiros de José Rodrigues”, continuidade do chamado Açude Novo. Com muita lama, mas no coração da cidade. Não poderia ser melhor.

  • Açude novo! Açude novo!
  • não te intrigues, não te intrigues,
  • porque perdeste para o Parque do Povo
  • os coqueiros de José Rodrigues
    Ronaldo Cunha Lima

Palhoção em 1985 virou a Pirâmide do Parque do Povo

  • Na primeira edição, os shows ocorriam na carroceria de um caminhão e o público dançava sob o teto de palha do “Palhoção do Forró”, com piso em cimento e o letreiro profetizava o futuro com os dizeres “O Maior São João do Mundo”. Idealizada por Eraldo César, diretor de recreação, a marca mudaria para sempre a história da Rainha da Borborema.

A então primeira-dama, Glória Cunha Lima, recorda que “o primeiro São João foi uma loucura. Era tanta gente que derrubaram os banheiros e acabaram com o piso.” A ornamentação foi feita com bandeirinhas cortadas à mão em sua casa e no gabinete do prefeito, por ela e outros voluntários. Dona Glória, como é conhecida, também contribuiu com sugestões que fizeram parte da história da festa, como as primeiras feiras de artesanato e a criação do Sítio São João. “Era tudo muito doméstico. Mas todo mundo entusiasmado, feliz da vida. Aí começou a crescer e chegou ao que chegou, né?”, conclui.

  • Parque do Povo, o quartel-general do forró

A partir do segundo ano, a festa já contou com 30 dias de forró. Devido ao grande sucesso, é iniciada a pavimentação total do espaço e a construção de um prédio em formato de fogueira para receber apresentações das quadrilhas juninas e de grupos de forró.

  • O termo “forródromo”, em alusão ao “sambódromo”, não pegou, sendo chamado até hoje de “Pirâmide”. Assim, em 1986, foi finalmente inaugurado o “Parque do Povo”, com direito a palco para shows e centenas de barracas, bares e restaurantes. Em 1989, há uma ampliação na área à direita da pirâmide, onde atualmente fica o palco principal.

Para Cléa Cordeiro, o principal marco para o sucesso do evento foi a centralização acompanhada da criação do Parque do Povo. “Foi o grande diferencial porque isso não existia em lugar nenhum. Quem fazia uma festa, fechava a rua e botava um palco. Criar um espaço para isso foi algo fenomenal? inovador.”

  • Que esse meu gesto marque
  • o nascer de um tempo novo
  • O povo pediu um parque
  • Eu fiz o Parque do Povo
    Ronaldo Cunha Lima

  • São João de Campina Grande após construção do Parque do Povo

De acordo com José Sereco, diretor de decoração do São João de Campina Grande, outra mudança importante para o evento ocorreu em 1999, quando o então prefeito Cássio Cunha Lima, filho e sucessor do idealizador da festa, convidou o cenógrafo do Projac, Keller Veiga, para uma curadoria. Então surge a cidade cenográfica com réplica dos prédios históricos de Campina.

Agora em 2024 e orçada em R$ 30 milhões, uma nova ampliação de 7,5 mil m² da área do PP foi concluída, totalizando 40 mil m². Além disso, o Parque Evaldo Cruz foi revitalizado e integrado por meio de um túnel sob a rua que os separa, somando seus 15 mil m² e criando um complexo ainda maior.

  • Maior festa popular do Brasil?

Com o passar dos anos, a festa de Campina não parou de crescer. Presente no calendário da Embratur e com grande cobertura midiática, a fama se espalhou, atraindo turistas e influenciando o modo de se fazer São João por todo o país.

  • Avaliar o tamanho da festa paraibana com critérios objetivos pode ser um desafio, mas para Cléa não resta dúvidas. “Nasce na mania de grandeza que tem o campinense. Esse amor pela terra. […] Uma coisa é simplesmente uma festa. Outra coisa é um evento turístico-histórico-cultural. Tem que envolver a população ou não sobrevive. Campina tem a maior porque leva mais dias, tem um espaço próprio, é aberto e é uma festa da família, só é grande porque é da família”, destaca.

Os números impressionam, sobretudo para uma cidade do interior. São mais de 500 atrações, 33 dias de festa, 7 polos, 41 anos de história e 55 mil m² na área que contempla o complexo do Parque do Povo integrado ao Parque Evaldo Cruz.

  • Glória Cunha Lima explica que ninguém que participou das primeiras edições imaginaria no que se transformaria, nem mesmo seu esposo e idealizador. “Ele nunca pensou que ia ter a dimensão que tem hoje. Mudou muito, mas é a evolução do tempo. Eu não posso pensar que o São João seria igual há 40 anos. Isso aí é humanamente impossível.”

 

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