- POR: Chico Pereira (Francisco Pereira da Silva Junior – Cadeira nº 15)
Vivemos muitas experiências de trabalhos, algumas inusitadas, como uma viagem que fizemos a Salvador em 1984, para participar da abertura de uma exposição de artistas paraibanos, por mim organizada, exposta no Museu de Arte Moderna da Bahia, com o patrocínio da Funjope, a fundação de cultura da Prefeitura de João Pessoa, cujo administração estava sob o comando de Aranha.
- Pois bem! Nos deslocamos para o aeroporto de Recife, para embarcar numa viagem com um voo previsto para chegar em Salvador às 19 horas, tempo suficiente para estarmos na abertura da exposição, marcada para às 20 horas.
O avião que nos transportava era um Boeing 737-200 da Vasp, o top da época, que ao chegar ao céu da Capital baiana topou com uma tempestade de chuva e ventos, voando em círculo por mais de uma hora sobre a cidade, tentando por duas vezes pousar no aeroporto sem sucesso.
- Na terceira tentativa, quase tocando o solo, arremeteu de volta a Recife, tamanha era a quantidade de água na cabeceira da pista.
Ao microfone, o comandante da aeronave explicou a situação que passamos e avisou estar naquele momento liberando o serviço de bar a bordo.
- Enchemos a cara de Whisky para poder voltar ao normal, já que se torna desnecessário comentar o medo que vivenciamos.
Chegando aos Guararapes, desembarcamos para aguardar retomar o mesmo voo naquela noite quando a situação sobre Salvador melhorasse.
- Fomos direto ao bar do aeroporto para reforçar a nossa coragem de voltar ao avião.
Por volta das duas da madrugada reembarcamos, os dois e menos da metade dos passageiros que decidiram voltar para o mesmo avião.
- Chegando em Salvador encontramos a cidade em completa escuridão, tamanho o estrago da tempestade.
Tinha sido uma catástrofe aquele momento em que estivemos voando em círculos sobre a Capital baiana.
- Chegamos ao hotel com o dia quase amanhecendo, exaustos e com fome.
O café da manhã seria servido a partir das seis horas.
- Por sugestão de Aranha deixamos a bagagem na portaria e fomos direto ao Farol da Barra, já que era perto do hotel, sentar na grama vendo a Bahia de Todos os Santos, o Forte de São Marcelo e poder relembrar os dias em que Salvador e aquele local era o ponto de encontro nacional dos hippies que cada um tentamos ser em algum momento de nossas vidas.
Episódios como este tivemos vários, alguns envolvendo diferentes amigos e inusitadas histórias, cada uma atravessando o círculo das nossas vivências e experiências de trabalho, de encontro casuais ou acidentais, até quando novas formas de relações profissionais, de lugares e de contatos foram passando por mutações.
- E quando as vidas privadas também foram mudando de direções, cada um adaptando-se ou desaparecendo para lugares distintos, alguns partindo precocemente.
Não que Aranha não acompanhasse essa virada, não abdicara do celular, como muito bem soube se adaptar também às novas formas da tecnologia da comunicação do jornal e pessoal.
- Foram outros acontecimentos que o atingiram no corpo e na alma.
Coisas do imponderável.
- Se pudesse romancear diria – coisas do destino, do diabo na rua no meio do redemoinho – como diria Riobaldo sobre suas tragédias pessoais.
Nunca faltou a Carlos Aranha a noção exata da sua fragilidade.
- Muitas vezes confessou-me a dimensão dos seus problemas.
Sabia, e sabia como superar suas dores, materiais e espirituais.
- Mas estava perdendo a batalha.
Até que um dia foi tragado pelo lado sombrio da existência, lugar impenetrável, privativo onde só cabe uma mente e um só corpo.
- E esta foi a sua esfinge sem tempo de ser decifrada.
Lembrei-me de muitas conversas, às vezes inusitadas sobre suas crenças em mundos paralelos que ele se comunicava com pessoas, que talvez de fato existissem.
- Com a sua inteligência e sua cultura nunca discordei dessas misteriosas relações.
Nunca me confessou algum crédito religioso, mas sempre falava de esoterismo como um conhecimento alquímico do espírito.
- Talvez nesse campo encontrava seu lugar no cosmos.
Nos últimos meses antes da sua partida surpreendi-me com sua presença num lançamento de livro na Livraria do Luiz, no MAG Shopping.
- Chegou de surpresa já que todos sabíamos dos seus problemas de saúde.
Estava lúcido.
- Tivemos rápida conversa e ele foi embora.
Dias depois surgiram complicações que o levaram a ser internado numa residência para idosos ou pessoas que precisam de cuidados especiais.
- Passamos a visitá-lo com outros membros desta academia algumas vezes e percebíamos nele momentos de lucidez e de divagações.
Sabíamos da sua realidade e sofremos com isto.
- Mas estava fora do nosso alcance providências mais confortáveis ou amparo terapêutico mais efetivo do que já recebia.
Mas é que chega hora da partida.
- Vi-o pela última vez já sem vida na sala de entrada da Academia à véspera do seu funeral.
Quase ninguém nessa despedida.
- No jardim, à sombra de Augusto dos Anjos, seu poeta imortal, seus poucos familiares.
Ele que conviveu com o público festivo e com tanta gente, ali estava quase sozinho.
- Voltei para me despedir do amigo.
Uma última visão.
- O corpo inerte estava sereno e até rejuvenescido pela fria maquiagem funerária.
Vivera intensamente suas tragédias, alegrias e tristezas.
- Não estavam mais ali seu espírito e sua alma.
Talvez estejam flanando no universo imaginário que tantas vezes me falou.
- Somos assim. Chegamos aqui por um mistério e para lá voltamos.
A vida é o trânsito existencial entre vir e partir.
- Vai lá Aranha.
Se voltares sejas o mesmo, pois é assim que estaremos aqui lembrando sua maneira singular de ser.
- NOTA DO BLOGdoGM – ESTE ARTIGO FINALIZA AS DUAS POSTAGENS ANTERIORES DISPONIBILIZADAS NOS LINKS ABAIXO… >>>>>>>>>>
CARLOS ANTONIO ARANHA DE MACEDO – UM ARTISTA MILITANTE NA IMPRENSA PARAIBANA (PARTE 01)
CARLOS ANTONIO ARANHA DE MACEDO – Memórias Póstumas de um Tropicalista (PARTE 02)