• Por: Hildeberto Barbosa Filho
    Professor universitário, crítico literário, escritor, poeta e jornalista
    Membro efetivo da Academia Paraibana de Letras

Dia desses fui ao sertão!

  • Ao descer a serra de Santa Luzia e passar por São Mamede, deixei-me aureolar pelo hálito sagrado da terra.

O Vale dos Espinharas, tocado pelos lajedos solitários, parece a mim, pelo menos a mim, que sou dado às místicas iluminações, uma vasta planície carregada de alumbramentos e epifanias.

  • Vejo, nos largos vazios de sua orografia de espantos, uma teologia silenciosa calcinada pelo império do sol e da seca, desvestida, no entanto, do calor do mal e de seus alucinados demônios perdidos nas distâncias impalpáveis.

Sei que o sertão se consome na mistura de duas geografias que se completam.

  • A de fora e a de dentro.

Aquela, gleba árida, áspera, liberta aos sons violentos dos ventos ancestrais; esta, inteira e comburida nos mistérios da solidão interior, pois o sertão é lá, mas também é aqui dentro, conforme lição magistral do prosador mineiro.

  • Fui ao sertão numa pequena comitiva da APL: Academia Paraibana de Letras, para participar da simbologia de um ritual.

Como me pesa na alma o significante dos rituais! Sem os rituais somos nada.

  • Sem os rituais estaríamos sufocados na fisiologia da facticidade.

Seríamos apenas animais incapazes de fantasia e metafísica.

  • Bichos tristes e expulsos dos dilemas ambíguos da história.

O ritual era a aposição de uma placa que possa demarcar, na casa onde nasceu o acadêmico, os sinais de sua origem e o signo duradouro de sua glória.

  • Ele, o acadêmico, é Francisco de Sales Gaudêncio.

A cidade onde se localiza a sua residência primeira é São João do Rio do Peixe.

  • E assim foi feito sob a lógica neutra do regime estatutário da Casa de Coriolano de Medeiros.

Familiares, amigos, conterrâneos, autoridades, acadêmicos se reuniram sob as espátulas de um sol imaculado em frente à antiga morada do menino que virou gestor, historiador e acadêmico, para prestar-lhe a devida e merecida homenagem, reconhecendo-lhes os serviços prestados à sua terra e ao Estado e consagrando-lhe as credenciais indiscutíveis.

  • Muitos usaram da palavra, num ritual à parte, dentro de incontornável tradição vocabular tão caraterística de nossa índole expressiva.

Costumo dizer que os brasileiros e os nordestinos, em particular, possuem a volúpia da palavra.

  • Se não houver discurso, os rituais perdem o sentido, e ficamos presas de uma como que sensação de falta e incompletude.

Principalmente falou o homenageado envolvido em forte e visível emoção.

  • Sua origem simples, seus esforços na luta pela sobrevivência, a presença dos pais, o apoio de grandes amigos, a gratidão, o amor à terra natal, seus vínculos afetivos, seus sonhos e projetos compuseram a teia sintática de suas palavras na peça improvisada que não podia deixar de fazer.

A bela e histórica São João do Rio do Peixe consolida seu patrimônio intelectual com mais um nome vindo de suas entranhas seculares.

  • Seu filho dá o exemplo para futuras gerações.

O ritual, posto que efêmero na sua singular cristalização, convoca aquele traço fugidio que participa da eternidade.

  • Na viagem de volta, mais uma vez a paisagem nos encantava.

A mim e ao pintor e acadêmico Flávio Tavares.

  • Se proseávamos aleatoriamente acerca das coisas da arte e da vida, nunca perdíamos de vista as cores do céu nem os ângulos diversificados da geografia.

Imagino que o artista de estilo transfigurativo, habituado à fusão poética dos reinos animal, mineral e vegetal, mormente quando mexe suas tintas nos grandes painéis, tenha colhido algum sinal que o tempo, àquela hora quase imóvel, emitia de seus múltiplos pontos de fuga.

  • A paisagem era um ritual.

E como todo ritual, comove e revitaliza…

Dia desses fui ao sertão!

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